Por Gilson Reis*
“Você acha que os políticos não sabem como resolver o problema da violência? (…) O problema é que eles sabem que não serão reeleitos se fizerem isso. Sabem que isso exige um investimento em educação e políticas sociais que não tem retorno na urna, no curto prazo, mas que é algo para o médio prazo, para daqui a dez ou 15 anos.”
Essa declaração foi feita por Antônio Francisco Bonfim Lopes em março de 2018, em entrevista a El País Brasil, reportagem que ficou, aliás, entre os 100 textos jornalísticos mais lidos no mundo no ano da publicação. Não se trata de uma matéria sobre educação, mas o trecho revela que Antônio Francisco Bonfim Lopes, o entrevistado, expressa pleno reconhecimento sobre o valor da educação e a necessidade de investimento e de políticas públicas voltadas para seu fortalecimento e sua qualidade.
Pouco mais de cinco anos depois dessa entrevista, Eduardo Nantes Bolsonaro, durante ato armamentista realizado próximo ao Congresso Nacional no último domingo 9, declarou não haver diferença de “um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime”. Ao contrário de Antônio Francisco Bonfim Lopes, Eduardo Nantes Bolsonaro demonstra total desprezo pela educação e por aqueles que são um dos vértices dela.
Talvez alguns considerem um paradoxo, talvez outros não, mas cabe apresentá-los, mesmo que dispensem apresentações. Eduardo Nantes Bolsonaro é um escrivão da Polícia Federal e deputado federal eleito pelo PL, em São Paulo, que jurou “manter, defender e cumprir a Constituição”, a mesma que assegura a educação como o primeiro dos direitos sociais, com liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além de pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Já Antônio Francisco Bonfim Lopes é o Nem da Rocinha.
Em 2016, quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, a Contee, lançou campanha nacional contra a Lei da Mordaça e em defesa de uma educação crítica e democrática, Nem da Rocinha já estava preso e Eduardo Bolsonaro já era deputado e então colega do pai na Câmara Federal. Outras coisas que já existiam eram o golpe que estava em curso — e que acabou por destituir a presidenta Dilma Rousseff — e os ataques cada vez mais sistemáticos ao magistério, acusado de “doutrinação”, a mesma palavra que o parlamentar do PL usou no último domingo.
De lá para cá, a Contee obteve importante vitória no Supremo Tribunal Federal, que, depois de ação impetrada pela Confederação, julgou inconstitucional a Lei da Mordaça aprovada em Alagoas, com repercussão para todo o País. Por outro lado, se os nazistas queimavam livros, seus novos adeptos tentam, figurativamente ou não, queimar pessoas. Se não conseguiu, pela via legal, transformar professores em criminosos, a extrema-direita brasileira parece agora decidida a transformá-los em vítimas.
Vítima, aqui, não está no sentido de “vitimizá-los”, enxergando-os como pobres coitados dignos de pena, mas, pelo contrário, de torná-los alvo. Tem-se aqui a vítima que, pelo dicionário, é a pessoa ferida, violentada, torturada, assassinada ou executada por outra; a vítima que é a pessoa contra quem se comete um crime. Vítimas como as professoras Maria da Penha Pereira de Mello Banhos e Cybelle Passos Bezerra Lara, mortas por um adolescente, filho de policial, em Aracruz, no Espírito Santo, ou como a professora Elisabeth Tenreiro, esfaqueada por um aluno na Vila Sônia, em São Paulo.
Essas mortes, como tantas outras ocorridas recentemente no País, marcado por uma onda de atentados contra escolas, foram provocadas por cooptação ideológica de jovens pela extrema-direita — inclusive nazista —, sobretudo por meio das redes sociais, de fóruns da deep web e de palanques como o de Eduardo Bolsonaro. Incitar ódio contra professores e os igualar a traficantes é crime. Incitar ódio dentro de jovens com o objetivo de os igualar a gente como os Bolsonaros também é.
Como a Contee expressou em nota, quem “sequestra” para o “mundo do crime” é o extremismo de direita que o deputado Bolsonaro defende e professa. E por esse crime ele precisa ser cassado e legalmente punido.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.